2h37


Do pouco que sobrou nada lhe servia. Garrafas vazias, tapetes cobertos de poeira, a barba por fazer. Do pouco, muito lhe restava. Espelho embaçado, cortina fechada, infiltração na parede.

Puta sol do meio-dia. Um litro de leite, 3 pães. De tudo o que tinha, nada o alimentava. Uva-passa, uma carcaça de frango, licor de menta.
Mancava na calçada, chovia na Paulista.
Do muito, tudo lhe faltava. De todos, ela que sorria. Esbarrou no casaco cinza, de lã molhada, ele cheirava mal. Ela riu, passou por ele.
Tinha os lábios pequenos, vermelho-sangue. Sugava sua atenção, seus dias que viriam, as noites não dormidas, os porres infinitos. Sentou ao seu lado. Cabelos ondulados, cachos vermelhos, pouco menos como a boca. Que boca. Falava de alguma coisa, acho que era política. Ou música. Ou sexo. Seja o que for, tinha malícia nos olhos. Bebeu no mesmo copo que ele.
Os dois debochavam da vida, da chuva, da goteira no toldo molhando a mesa. Da cerveja quente, da porção, da falta de dinheiro. Deboche fatal, os dois se olhavam. E riam. Se beijavam.
Duas horas e trinta e sete minutos, ele contou. A mania de cronometrar seus pecados era inevitável.

- Te vejo por aí?
- Seu nome?
- Pra que?
- Deixa pra lá.
- Melhor.

Ela levantou assim como sentou. Repentinamente. Antes, passou as mãos nos cabelos daquele cara sujo com quem se divertiu por um tempo. Duas horas e trinta e sete minutos pra descobrir que a fragilidade de um cara é solúvel na chuva, na cerveja, na sua mão passando pelos cabelos. Cabelos lisos e escuros. Duas horas e trinta e sete minutos de mistério.de romance.de um tudo que faltava e continua faltando.
Do pouco que carregava, nada mais restou.

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